segunda-feira, 11 de abril de 2011

Laúra



O texto abaixo é o resultado do exercício da construção de uma personagem que tento namorar há quase uma semana.

Percebi que o exercício de criação de uma persona é algo transcedental, a persona, tem vida própria e, para entrar nesta sintonía, é preciso repousar mente e olhar.

Confesso, não consegui. Minha mente é agitada e doente, longe do exercício profundo e belo da arte.

Um fato: gostei do pouco que consegui conectar... sinto que se me tornar hábil nisso consigo viver em um mundo real e paralelo ao nosso, um mundo que hoje aprendo a chamar de fábula.

Me pergunto várias vezes? Qual dos mundos é o real? Aliás, tal pergunta faz sentido? Não sei... quando nada parece existir além de nós... solitários pintando em uma tela cada hora com uma caneta... sempre a mesma tela...

Enfim..

Aqui vai o resultado desta experiência ainda turbulenta.

Eu vos apresento!
 

Texto:

Laúra teve uma vida engraçada, a começar por seu nascimento. Nasceu de repente.

Parece que surgiu da tecla send de um programa de e-mail, algo parecido com "Click! Vai menina e... lembre-se: não ganhe a vida, deixe que a vida te faça, de santa heroína ou de palhaça devassa!"

Por incrível que pareça, diferente de nós, estes olhos negros não ficaram nove meses se formando para só depois contemplar o mundo. Sua gestação, deu-se depois do seu nascimento, teve apenas sete dias de infância, fora criada  por um grupo de pessoas desconhecidas por ela e, a partir de então, vive sozinha, moldando e sendo moldada por personas que pela vida encontra e desencontra. Sim, a ausência faz parte de sua forma e ação.

Apesar da curta infância, tornara-se rica com o pouco que aprendeu de cada um semeou algo em seu coração, coleciona comportamentos, fragmentos, porém, algo em si sempre foi inegável: nascera independente, por vontade própria, uma inabalável necessidade de viver.

Quem não percebe seus caprichos é porquê ainda não a conhece completamente. Confesso que eu mesmo ainda não consigo entendê-la muito bem. Sua personalidade exige tempo e entrega mental, coisas tão raras na minha vida, minha cabeça agitada, porém, esta mulher esguia, de pele clara detém a incrível habilidade de não desamparar nenhum dos seus pais e mães, parece estar presente o tempo todo com as pessoas que conheceu, quer você queira, ou não, isso não importa. Uma vez em sua vida, sempre em sua vida Laúra estará.

Desde quando a conheci fico confuso com uma questão que não consigo fazer calar: ora me parece uma criança inocente a não mostrar seu rosto envergonhado e se esconde atrás da própria mãe, ora, me furta atenção com um olhar amadurecido, com sua face avermelhada e cabelos negros. Uma mulher a frente do seu tempo, confortável em sua sabedoria e conseqüente solidão dos fortes. Esconde algo atrás de si, esconde justamente sua filha, menina nova e envergonhada a abraçá-la pela cintura.

As vezes tenho a sensação que está a vagar ao meu redor como se comigo brincasse, chega a me fazer cócegas e, as vezes, me derrete ao contemplar-me com um carinho que me convida a entrega.

Ao repousar meu corpo, língua e mente, cansados sobre a cama, sinto-me mais próximo do seu contexto - Laúra sorri - me olha como se soubesse que há muito nos conhecêssemos e, em breve, estaríamos juntos na sustentável, sim, eu disse sustentável, leveza do ser. Escuto sua risada, seu desdém pela efemeridade das minhas pré ocupações.

Estou certo que nela habita uma constante ânsia por existir, manifestar a vida. Seja um adulto ou uma criança envergonhada, é notável sua habilidade na arte do gozo dos sentidos e para isso, desapegada, se transforma em João, Maria, em Mar que ia e via a Ana.

É fato que Laúra habita mas nunca desabita.

Não importa a forma, a única coisa que preserva, é o viver.

Novamente, como santa heroína ou palhaça devassa, começando com rima ou terminando sem graça, Laúra, sabe apenas, ser.


F.

Nenhum comentário: