domingo, 3 de abril de 2011

A aquarela de Marina



Sexta-feira, primeiro de abril, também conhecido como dia da mentira, mas isso não vem ao caso. Após uma semana de trabalho, Marina se preparava para tomar o mais antigo soro contra a angústia que invadia seu ser: um bom cálice de vinho. 

Todo final de semana era assim, trabalhava mais alegre na sexta. No início da noite, tomaria um vinho na varanda da sua casa, conversaria até mais tarde com seu marido e filha. No dia seguinte acordaria sem despertador. Sábado almoçaria com a mãe de seu marido, domingo, provavelmente receberia a visita de seus pais, sua vida havia se tornado previsível.

Há mais de três anos assumiu um certo tom de cinza, os prazeres comuns do mundo passaram e esta mulher se fizera adulta. Profissional respeitada em seu ambiente de trabalho, um exemplo de intelecto desenvolvido, era referência para vários assuntos, principalmente problemas, oras como guru, oras como a primeira mulher messias.

Estabelecida e bem remunerada, não sabia o que a entristecia. Onde fora parar o brilho inocente que havia em seus olhos? Conseguira tudo na vida, foi além do que esperava, mas, feliz, definitivamente não estava, algo a incomodava. Foi quando os cachorros latiram, eram seus pais, como previsto.

Em meio à visita, esquecera destes sentimentos mais íntimos. Levantou-se, abriu a porteira (sim, morava no campo, ainda tinha uma chama de poesia em seu coração) e seus pais desceram do carro, porém, algo estava diferente, sua mãe estava com um sorriso infantil no rosto, puro, lindo, trazia em suas mãos um envelope, curiosa, mas, nada entendia até então.

Cumprimentaram-se. Sentaram para um café como de costume. Sua mãe não conseguia se conter. Entregou-lhe o envelope e disse “abra com cuidado filha querida, é delicado e frágil”. Abriu.

Dentro do envelope encontrou um papel envelhecido, de bordas amareladas, com letras infantis, estava escrito: “Olá, meu nome é Marina, tenho sete anos de idade e estou em um navio no mar báltico. Saímos da Estônia e estamos indo para o Brasil. Se você encontrar esta garrafa, escreva para o endereço abaixo que eu respondo para você quando receber sua carta”.

Era o mesmo endereço que sua mãe morava até hoje. A carta havia sido escrita por ela mesma e colocada em uma garrafa de vinho que seu pai acabara de beber quando saíram da Estônia e vieram para o Brasil. Provavelmente o pai bebera esta garrafa de vinho para esquecer a saudade das terras que pra trás ficaram até sumir no horizonte e nascer no universo das saudades. Marina fizera uma travessura, jogara escondida tal garrafa com mensagem no mar báltico.

Perguntou a sua mãe como havia encontrado. Os pais explicaram que um menino de exatos setes anos, chamado Juliano, encontrara a garrafa na praia do cassino no Sul do Brasil e ao ler a mensagem ali contida resolveu seguir as instruções e a respondeu.

Ficou calada, no entanto, alguma coisa no coração de Marina havia mudado. Sua previsibilidade havia falhado. Os tons de cinza em seus olhos começaram a ganhar tons de  rosa, verdes e mostarda.

Ficou em silêncio por um tempo. Calou-se. Novamente seus olhos brilharam. Marina sorriu e se coloriu. Nunca mais se preto-e-braqueceu.


F.

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